Capítulo
IV
Entrando
nas trevas
Não vou negar que o medo e a
ansiedade tomavam conta de mim. Eu estava num lugar desconhecido, no meio de
lugar nenhum. Completamente nu, vendado, com minhas mãos amarradas às costas,
uma das pernas atadas e as cordas que me atavam as mãos passando também pelo
meu pescoço.
Uma música sem letra, de origem
celta e já conhecida por mim, tocava ao fundo. Como estava vendado, tinha que
confiar nos meus outros instintos para reconhecer o meio. O cheiro de velas e
incenso de lótus era facilmente percebido. Pela venda, só conseguia divisar
lampejos do tremular das velas e nada mais. Meus pés tateavam um solo arenoso,
terroso e o frio tocava meu corpo com o sopro de um vento fraco.
Antigo Gravador usado aos 10 anos |
Eu sabia que não estava só, mas
no meu íntimo era como se estivesse. Apesar de conhecer Mariah (chamaremos
assim minha iniciadora), de sermos parentes sanguíneos mesmo assim, me senti
só. Afinal ali não éramos parentes, mas mestra e discípulo, professor e aluno.
Não fosse o fato de estar nu,
amarrado, vendado e sem saber sequer onde estava que me incomodava, mas as
dúvidas que surgiram exatamente no dia marcado para minha iniciação.
Naquele mesmo sábado, ainda pela
manha, recebi o aviso através de um telefonema.
Mariah, em seu português
carregado de sotaque me avisou logo pela manhã pelo telefone:
-Esteja pronto hoje à noite. Vou
passar e te buscar. Hoje você vai nascer! – ela me disse
-Está bem, mas o que tenho que
fazer? – perguntei meio contrariado.
A resposta foi o som do telefone
sendo desligado, sem sequer um “até logo”.
Eu não compreendia as razões para
a angustia que se instalava em meu peito. Afinal, mesmo sem conhecer muito bem
do que se tratava a iniciação, e mesmo as responsabilidades que viriam com
isso, era o que eu vinha desejando há quase seis meses, desde a chegada de
Mariah ao Rio de Janeiro.
Mariah era uma jovem de 24 anos
de idade na época. Tinha vindo ao Brasil de férias, para conhecer a parte da
família distante. Ela tinha o típico
biótipo dos imigrantes antigos que se misturaram aos americanos. Pele muito
branca, as formas delicadas, mas o corpo mais cheio do que estamos acostumados.
Não era o que chamaríamos de gorda, mas de "cheinha". Cabelos nos ombros, com um
tom de loiro que pendia quase ao ruivo. Sardas nas bochechas e olhos de um azul
profundo, quase violeta. Ela era um tipo diferente. Nem bela, nem feia, mas
exótica. Sempre trajando vestidos compridos, abaixo dos joelhos, com rendas e
sempre de cores vivas. Joias de prata e uma lua crescente que pendia de seu
pescoço, pendurada numa fina corrente, também de prata.
Nossas conversas eram muito
agradáveis, ao menos as partes em que conseguia compreender. Apesar dos tantos
anos de estudo do inglês, compreender as gírias locais como “what´s the craic?” (algo como “Tudo
Bem”) ou o português cheio de erros e sotaque carregado, não fazia qualquer
diferença.
Conversávamos
a maior parte do tempo sobre as histórias de família, sobre a vida dela nos EUA
e sobre o ocultismo. Imediatamente reconheci nela conhecimento e a contra parte
também foi verdadeira. Em uma de nossas conversas ela me questionou sobre minha
escolha religiosa, quando eu afirmei não possuir nenhuma.
Gerald Gardner simulando a evocação de um demônio |
Graças
aos meus estudos no ocultismo, o cristianismo era carta fora do meu baralho. Eu
me identificava com idéias ligadas ao espiritismo de Allan Kardec. Reencarnação
era um conceito facilmente aceito por mim. Mas também existiam pontos como
“voltar para sofrer” que não aceitava. Então, não podia afirmar que tivesse uma
religião nessa época, tinha muito mais conceitos religiosos, que mesclados
criavam o meu contato com o Divino.
Nessa
época, o segundo casamento de minha mãe não ia muito bem. Já tinha um irmão,
fruto desse casamento que era onze anos mais jovem que eu, e de certa forma,
tomei para mim a responsabilidade do trato com ele. Seu pai era médico e como
tal, passava pouco tempo em casa. E para uma criança de seis anos, acabei me
tornando a referência do masculino. Essa era uma das minhas preocupações também...
a formação religiosa de meu irmão. Alguns meses depois, minha mãe viria a se
separar e se mudar, ficando eu, aos dezoito anos de idade a morar sozinho, por
decisão própria.
Maraiah
me falava sobre a Wicca. Explicava-me como essa religião se ligava
profundamente aos nossos ancestrais. Aos poucos comecei a ver como ela se
encaixava perfeitamente com as minhas crenças nessa época. Fora esse fato,
dessa nova religião apresentar tantos argumentos convincentes, ainda existia
aquela coisa da rebeldia adolescente. Ser um Bruxo era algo extremamente
diferente, especial. E eu não conhecia mais ninguém que tivesse essa
oportunidade. Eu tinha que me tornar também um sacerdote.
Naquele
sábado, meu desejo seria realizado, mas a angústia permanecia. Na época achei
que se devia ao desconhecido, hoje percebo que era meu íntimo me alertando,
minha essência divina gritando contra a violência que cometeria contra minha
alma.
Conforme
combinado, ao cair da noite, lá estava eu de pé, na portaria de meu prédio no
alto de uma ladeira em Copacabana. Maraiah chegou de carro, até hoje não sei de
quem era, ou como ela conseguiu aquele carro. Aliás, estava tão ansioso e
angustiado que sequer me preocupei em perguntar. Assim que entrei no carro,
ganhei de Maraiah uma venda para os olhos, e me foi avisado que não deveria
retirar essa venda até que me fosse permitido.
Rodamos
de carro por uns 30 minutos. Mesmo tentando descobrir onde estaríamos indo, não
consegui fazer mentalmente o caminho depois da terceira esquina. Imaginei que
estaríamos indo para a casa de um amigo de Mariah, um rapaz também americano,
mas que vivia aqui no Brasil já há cinco anos, e que a conhecia antes de se
mudar para o Brasil. Até hoje não sei se estava certo, pois durante todo tempo
não a ouvi falar com ninguém mais, como também não ouvi qualquer outro som que
denunciasse que em algum momento existiria alguém mais junto a nós.
O
carro parou e a única coisa que sabia é que tínhamos subido, como se fosse uma
pequena serra, ou uma subida grande, e que não ouvíamos o som de outros carros.
Foi daí que veio a impressão de que estaríamos na casa do rapaz Americano, pois
sabia que morava numa casa no Alto da Boa Vista.
Fui
guiado pela minha iniciadora por um caminho em que em nenhum momento adentramos
alguma estrutura, sempre andando ao ar livre. Paramos repentinamente e recebi a
ordem para que me despisse completamente.
Inicialmente
fui preenchido por um misto de vergonha, excitação e angustia, mas afinal,
estar lá era uma decisão minha. Minha iniciadora era uma parente, uma pessoa
com quem estava convivendo há quatro meses diariamente, sabia não ser nenhuma
louca ou algo parecido, então relaxei um pouco. Quero dizer, relaxei
mentalmente, porque fisicamente meus músculos pareciam rochas. Completamente
retesados graças aquela excitação e mesmo a vergonha de estar me despindo.
Claro
que inicialmente mantive minha roupa de baixo, quando escutei quase que
imediatamente o comando:
-É
para tirar TUDO! – Mariah gritou distante
Não
tinha argumentos. Tinha mesmo que tirar.
O
leitor pode se colocar nesse momento em meu lugar. Vendado, sem saber onde estava...
se existiam outras pessoas presentes. Completamente nu, sentindo o chão de
terra sob meus pés, escutando sons estranhos e aromas conhecidos e desconhecidos.
Senti
Mariah se aproximar e imediatamente amarrar minhas mãos nas costas. Era uma
amarração firme mas gentil, não para machucar, apesar de evitar que fosse
possível soltar minhas mãos. Em seguida senti uma corda passando por meu joelho
esquerdo e as pontas da corda que atavam minhas mãos, passando defronte a meu
pescoço e sendo mais uma vez amarradas com as pontas descendo pelo meu peito
nu.
Vagarosamente
Mariah me puxava pelas pontas que pendiam de meu peito, como se fosse um cabo
guia. O som da música ficava mais alto, e os aromas se misturavam e ficavam
mais fortes. Nesse momento Mariah começou a proferir palavras estranhas na
época, mas que depois se tornaram minhas companheiras por milhares de rituais:
- Eko, eko, Azarak
Eko, eko, Zomelak
Bazabi lacha bachabe
Lamac cahi achababe
Karrellyos
Lamac lamac Bachalyas
Cabahagy sabalyos
Baryolos
Lagoz atha cabyolas
Samahac atha famolas
Eko, eko, Cernunos
Eko, eko, Aradia
Hurrahya!
Todo
um ritual tomou seu lugar. Palavras ditas em inglês. Perguntas a que ia
respondendo como me indicado. Fui levado de um lado a outro, apresentado a quatro
quadrantes que depois viria, a saber, serem os quatro elementos: Terra, Ar,
Água e Fogo.
Tudo
era amedrontador, mas excitante. Eu me sentia diferente, aquela angustia foi
mascarada pela curiosidade, essa mesma curiosidade que após tantos anos no
oculto, sei ser o chamariz e a armadilha que “capturam” tantos jovens.
Após
ser chibateado simbolicamente (para purificação), senti Mariah novamente se
aproximar lentamente e nesse momento a ponta de uma adaga tocou meu peito exatamente na altura do coração. Fui informado
que chegara a hora da “prova iniciática”, prova essa que faria toda a diferença
entre meu ser antigo e o novo ser. Ali morreria o Fabiano e nasceria o bruxo,
mesmo que não soubesse muito bem o que acontecia, eu tinha o conhecimento de
que nada seria igual depois daquele dia.
Quero
esclarecer ao leitor que não divulgarei a prova iniciática, ou do que se trata.
Não por ser um segredo da bruxaria, mas simplesmente para não incentivar a
leitores dessa obra a tentarem recriá-la. Todo o restante da cerimônia está
sendo descrito exatamente como aconteceu.
Passei
pela prova. Essa prova envolvia um psicodrama, onde juramentos foram
proferidos, pactos aceitos e selados com um cálice, que foi instrumento de
minha morte e meu renascimento. Ali eu coloquei dentro do meu “novo” ser a
essência daqueles Deuses que num futuro perceberia não serem verdadeiramente
Deuses.
Fui
levantado, novamente apresentado aos quatro elementos, dessa vez com um novo
nome e já como um bruxo. Minha venda foi então retirada, sob a alegação de que
eu veria a “verdadeira luz” a partir dali. Percebi que estava num quintal de
uma casa completamente murada.
Nesse
momento me dei conta de que Mariah também estava completamente nua, o que me
constrangeu mais do que o fato de eu estar despido. Já sem a corda que me atava
e que posteriormente me foi presenteada, simbolizando minhas medidas, e a
confiança de minha iniciadora depositava em mim, fui convidado a chegar até uma
mesa que servia como altar. Nela se encontravam velas, um cálice, um caldeirão,
um pentagrama (estrela de cinco pontas dentro de um círculo) e uma adaga, que
posteriormente vim a conhecer pelo nome de Athame. Cada um dos instrumentos me
foi apresentado e explicado.
Mariah
me colocou no centro de um círculo, onde depois vim a descobrir ser a cerimonia
completamente realizada em seu interior. Acompanhei-a num processo contrário ao
que tinha escutado enquanto vendado e amarrado. Percebi que estavam sendo
despedidas todas as energias que anteriormente tinham sido evocadas e que,
aquele espaço mágico, os Deuses clamados também estavam sendo despedidos.
Recebi
a ordem de novamente me vestir e assim o fiz me sentindo aliviado. Não que a
nudez me tenha sido traumática algum dia, mas todo o misto daquelas emoções
faziam com que a nudez fosse mais um mistério em toda aquela cerimônia. Também
fui indicado a colocar novamente a venda. Só bem mais tarde, depois de minha
terceira e derradeira iniciação na bruxaria soube que finalmente era confiável
o bastante para saber o local em que as cerimônias eram realizadas e mesmo quem
era seu proprietário.
Fomos
embora e, até chegar novamente à portaria de meu prédio e retirar a venda, não
falei sequer uma palavra. Minha mente girava entre as lembranças e sensações
daquela noite estranha, mas excitante. Só no dia seguinte tive contato com
Mariah, que me trouxe uma espécie de caderno idêntico a um que lhe pertencia, e
que me foi entregue para copiar até certo ponto. Recebi as instruções de que
deveria copiar exatamente as mesmas palavras, nas mesmas linhas e até mesmo no
mesmo espaço, independente de minha caligrafia ser diferente da dela. Copiando
e lendo o que escrevia, muito sobre a minha nova religião, minha nova
responsabilidade e posição, assim como sobre minha iniciação foi finalmente
compreendida.
Naquela
noite tive sonhos muito estranhos, que mesclavam os acontecimentos da noite
anterior com eventos desconexos, Deuses desconhecidos e rituais antigos.
Assim
nasceu MillenniuM, que nos próximos anos ainda passaria por mais duas
iniciações na bruxaria Wicca, vindo a se tornar um sumo-sacerdote da religião.
Foto da iniciação tradicional |
Realizando Cerimônia como Sumo Sacerdote |
Altar tradicional de Wicca |
Gerald Gardner Pai da Wicca em seu Gabinete |
Foto de época Av. Copacabana quase em frente à extinta
Casa Mattos e o Curso de Inglês
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A Biblioteca onde tudo começou |
Em 2004 no meu antigo Estúdio de Magia |
Antiga foto de ritual Wicca |
A Mariah que foi sua iniciadora...
ResponderExcluirEla ainda está viva?
Se estiver ...Ela se converteu ao cristianismo que nem o senhor?
Está viva sim e não...não se converteu e não tenho mais relação com ela que de certa forma, me renegou.
ExcluirO livro ta sencacional, viajo em kd capitulo ��������
ResponderExcluirAguardando o proximo cap.
Dia 15 tem mais
ExcluirMuito forte sua história olha como DEUS e maravilhoso
ResponderExcluirEle é o Deus vivo e verdadeiro!
ExcluirSÓ Deus mesmo!!!!
ResponderExcluirO livro Ainda não está venda?
ResponderExcluirO livro não será vendido. Resolvi publicar por aqui gratuitamente, para que possa alcançar mais almas
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